Imagine que você é um músico
e faz gravações caseiras, sem maiores intenções, tocando e cantando porcamente
só para exercitar seu lado criativo. Vinte e um anos após sua morte, um diretor
de cinema resolve fazer um documentário sobre sua vida, descobre essas
gravações e resolve lançá-las em um disco para o mundo inteiro ouvir. É isto
que aconteceu com o pobre Kurt Cobain com o lançamento do CD Montage
Of Heck: The Home Recordings.
O diretor Brett Morgen, do
documentário sobre Kurt Cobain que foi lançado este ano (leia a resenha sobre o
filme aqui) descobriu em sua pesquisa horas e horas de fitas com gravações de
trechos de músicas, colagens musicais e outros experimentalismos de Kurt, além
de várias pinturas, esculturas e outros itens que mostravam como Cobain era um
artista extremamente criativo. Com o propósito de lançar uma trilha sonora para
o filme, no final de novembro saiu o disco com trinta e uma “canções”, tiradas
das gravações caseiras feitas pelo eterno líder do Nirvana.
Para fãs fervorosos do
Nirvana e Kurt Cobain (como eu, por exemplo) que estão sempre à espera de algum
material novo, alguma gravação inédita, seja da banda ou até mesmo de Kurt
cantando no banheiro ou algo do tipo é bem vinda. Praticamente todas as
gravações do Nirvana em estúdio já foram lançadas e a gravadora achou este “tesouro”
guardado a sete chaves e é claro, os executivos da indústria da música querem
descolar mais alguns dólares com o último grande astro do rock.
Musicalmente falando, pouca coisa se aproveita em Montage Of Heck: The Home
Recordings. Talvez algumas das gravações pudessem se tornar grandes canções um
dia, como “Burn de rain” (se Kurt não fosse interrompido por um telefonema no
meio da gravação por alguém à procura de sua namorada na época, Tracy Marander)
ou até mesmo “She only lies”, mas na maioria delas são apenas rascunhos de
canções que jamais seriam lançadas.
O álbum tem uma versão de “And
I love her” dos Beatles, mostrando o lado Beatlemaníaco de Kurt (apesar dele
não gostar tanto de Paul McCartney) com Cobain cantando de uma forma singela e
descompromissada ao mesmo tempo. Há também versões embrionárias de canções que
fariam parte de discos do Nirvana, como “Been a son”, “Scoff” e “Frances Farmer
will have her revenge on Seattle”.
A intenção do diretor do
filme era mostrar com estas canções o processo criativo de Kurt, como ele
estava sempre compondo e tendo ideias interessantes. Ouvindo o disco como fã é
até interessante e divertido ouvir palhaçadas como “Beans” e “Montage of Kurt”
e experimentalismos musicais como “Reverb experiment” e “Scream”, mostrando que
provavelmente se ele não tivesse morrido iria partir para um caminho mais
estranho e experimental em sua música.
O problema é quando pensamos
no artista, que procura sempre mostrar o que há de melhor em seu trabalho. Será
que Cobain iria querer lançar algum dia essas gravações se estivesse vivo?
Obviamente a resposta seria não, mas a indústria musical precisa sempre extrair
tudo dos artistas que já morreram, sem se importar se aquilo seria relevante
para suas carreiras ou não. Só a necrofilia da arte justificaria um lançamento
como este, mas de qualquer forma, para os órfãos fãs de Kurt Cobain qualquer
migalha seria bem aceita, devido ao pouco material gravado em vida pelo
artista.