30 de outubro de 2014

Clássicos da adolescência: Raimundos

O ano de 1994 realmente foi muito prolífico de novas bandas, muitos grupos interessantes surgiram e apareceram com força no cenário do rock. O rock brasileiro estava em uma entressafra, o sertanejo brega tinha dominado o mercado fonográfico e as bandas dos anos 80 se garantiam com o público que tinham conquistado na década anterior.


Quatro rapazes de Brasília chamaram a atenção do selo Banguela Records, criado pelos Titãs para revelar novos talentos dentro da música brasileira. Formada em 1987, contava com Rodolfo nos vocais, Digão na guitarra, Canisso no baixo e Fred na bateria, a banda Raimundos escolheu este nome em homenagem aos seus grandes heróis, o Ramones e também pela influência nordestina de seus integrantes.

Com uma mistura inovadora de Hardcore, Punk e Forró, o Raimundos tinha uma pegada forte, com letras sexistas e que não tinham vergonha de serem politicamente incorretas. Não demorou muito para o grupo estourar nas rádios de rock. Seu primeiro disco foi lançado em maio de 1994 e foi produzido por Carlos Eduardo Miranda.

O disco abre com a clássica “Puteiro em João Pessoa” em que é narrada a primeira vez do vocalista Rodolfo, mostrando uma tradição comum no nordeste, dos garotos iniciarem sua vida sexual em prostíbulos. Com um riff potente e uma base pesada se tornou um dos maiores clássicos da carreira da banda. Ainda conta com Nando Reis do Titãs no violão no começo da música. 



“Palhas do coqueiro” fala sobre um personagem que sabe que é corno, um punk rock simples e certeiro que fez muito sucesso na MTV Brasil. “MMs” tem a participação de João Gordo do Ratos de Porão nos vocais e junto com “Minha cunhada” faz parte do grupo de músicas do disco que tem um ritmo acelerado e letras quase ininteligíveis.

“Rapante” tem um som pesado misturado com uma batida mais puxada para o ritmo nordestino, lembrando um repente. “Nega Jurema” é uma das melhores do disco e foi o primeiro clipe a ser lançado pela banda. Um hardcore perfeito para as rodas de porrada nos shows, destaque para a velocidade de Rodolfo que canta/fala dezenas de palavras por segundo nesta canção. 



“Be a bá” tem um tom mais sério e fala sobre a dura vida no sertão. O forrozeiro e amigo da banda Zenilton participa tocando Acordeão em “Rio das Pedras” e “Cajueiro” dando um toque ainda mais nordestino às músicas. Paulo Miklos, Branco Mello e Sérgio Britto do Titãs ainda cantam nas músicas “Carro forte”, “Be a bá” e “Bicharada”.



“Selim” tem uma letra tão sacana que chega até dar vergonha, uma caricata balada que por incrível que pareça fez muito sucesso na época. Hoje com a onda feminista de volta acho que muita gente iria protestar contra a letra, sexista ao extremo.

Raimundos, o disco, é um daqueles clássicos da adolescência, uma fase que combina com as letras que falam de sacanagem, além do hardcore rápido que retratava a urgência da juventude. Ouvir um disco desses depois dos trinta é até meio constrangedor, a cabeça é outra e não há tanto espaço para uma diversão tão juvenil. Mesmo assim não podemos menosprezar este trabalho, mostrando uma criativa mistura de rock pesado com ritmos regionais, na medida certa. Talvez um dos últimos suspiros do rock nacional, que hoje vive de bandas com um som cada vez mais açucarado. 



27 de outubro de 2014

U2 finalmente lança um disco interessante

Lançado em 9 de Setembro de 2014, Songs of Innocence é o décimo terceiro disco de estúdio dos irlandeses do U2. A banda resolveu disponibilizar o disco gratuitamente para os usuários do I-tunes e quase que o tiro saiu pela culatra: muitos se sentiram invadidos por receberem o disco como arquivo mesmo sem querer o álbum, tanto que Bono Vox teve que se desculpar pela estratégia que a banda adotou.


Na capa do disco, o baterista Larry Mullen Jr. aparece abraçado ao seu filho e o título do álbum foi inspirado no livro Songs of Innocence and of Experience de William Blake. Para a produção a banda sabia que teria que jogar para ganhar e chamou um super time de produtores, entre eles Flood, Danger Mouse e Paul Epworth. O conceito das letras deste trabalho é mais pessoal e revisita a infância e adolescência dos integrantes e presta homenagens a bandas que influenciaram o U2, como Ramones e The Clash.

A primeira música do disco “The miracle (Of Joey Ramone)” fala sobre o impacto que a música dos Ramones teve na vida de Bono Vox. Infelizmente a banda errou ao escolher esta música como abertura do álbum e primeiro single, a canção parece mais um tributo ao Coldplay, com seus coros constrangedores e é uma das canções mais fracas de Songs of Innocence. Além disto, tem uma guitarra propositalmente “estourada” para dar um ar mais roqueiro, mas não convence.

As coisas começam a melhorar em “Every breaking wave” com boas guitarras, ritmo envolvente e um ótimo refrão, além de teclados oitentistas. “California (There is no end to love) tem uma vocalização no começo que fica na cabeça, que poderia ser mais explorada durante a música e um bom refrão, uma daquelas músicas pop que o U2 faz muito bem quando está inspirado.

“Song for someone” é uma homenagem de Bono à sua esposa, uma balada não muito inspirada. No refrão parece que Brandon Flowers do The Killers faz uma participação especial na música, mas é apenas Bono Vox cantando, isto mostra como o Killers se especializou em imitar a banda irlandesa com perfeição. “Iris (Hold me close)” é uma homenagem à mãe de Bono que faleceu na adolescência do vocalista. A música começa bem, lembrando um pouco a fase de Joshua Tree, mas tem um refrão que lembra os piores momentos do The Killers.

O disco começa a engrenar mesmo em “Volcano”, começando com um baixo distorcido e uma pegada mais roqueira e um refrão que fica na cabeça. “Raised by wolwes” também é ótima, com um ritmo vigoroso e uma letra que fala sobre um massacre na Irlanda nos anos 70, lembrando fases mais roqueiras do U2 como nos discos War e October.

“Cedarwood Road” tem um riff pesado dobrado com violão, mais uma canção com uma pegada mais forte, enquanto “Sleep like a baby tonight” tem elementos eletrônicos que remetem à música eletrônica feita nos anos 70, de bandas como o Kraftwerk. A letra fala sobre a pedofilia na Igreja Católica e tem um clima angustiante e uma ótima interpretação de Bono.

“This is where you can reach me now” tem mais suingue, com uma belíssima linha de baixo, guitarras com wah wah e refrão em coro, com certa influência da black music. O álbum termina com a bela “The trouble” com vocais femininos envolventes da cantora sueca Lykke Li, arranjo de cordas e final épico, um belo encerramento para um bom disco.

Apesar dos erros na escolha da primeira música e forma de divulgação do disco o saldo final de Songs of Innocence é bem positivo: oito músicas boas e apenas três medianas. Este trabalho é bem mais interessante que os discos anteriores do U2, aqui a banda traz de volta, mesmo que discretamente, um pouco daquela pegada da banda dos anos 80, as letras politizadas e aquela vontade de mudar o mundo, mesmo que seja em uma era tecnológica e de falta de ideologias. 



23 de outubro de 2014

Pearl Jam - Um furacão chamado Ten

Na metade dos anos 80, Stone Gossard, Jeff Ament, Mark Arm e Steve Turner faziam em Seattle parte da banda Green River. O grupo foi uma dos precursores do movimento Grunge. Depois de alguns desentendimentos a banda terminou e Arm e Turner formaram o Mudhoney, outro grande nome dentro do rock alternativo norte americano.


O guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament logo depois se uniram ao vocalista Andrew Wood e formaram o Mother Love Bone. A banda começou a se destacar dentro do underground e logo conseguiu um contrato com uma gravadora. O vocalista Andrew Wood morreu devido a uma overdose de heroína, pouco antes do primeiro e único disco do grupo ser lançado, Apple de 1990. O disco tinha uma sonoridade meio anos 70, com bastante influência do Led Zeppelin e foi muito bem recebido pela crítica.




A morte de Wood decretou o fim da promissora banda e Gossard e Ament estavam novamente sem rumo. Os dois se juntaram ao guitarrista Mike McCready e gravaram uma fita demo com o objetivo de encontrar um baterista e um vocalista para seu novo projeto. Eles entregaram a fita para o ex-baterista do Red Hot Chilli Peppers, Jack Irons que não se interessou em participar do futuro grupo. Irons então passou a fita para um amigo de San Diego, Eddie Vedder, que tinha uma banda chamada Bad Radio.

Vedder se identificou com o som daquela fita demo e fez as letras e gravou os vocais para as três músicas (que futuramente seriam “Alive”, “Once” e “Footsteps”). Eddie mandou a fita de volta e impressionou os outros três integrantes, que logo o chamaram para uma audição em Seattle. Não demorou muito para que ele fosse o vocalista da banda. Dave Krusen foi escolhido como baterista e o nome escolhido para o grupo foi Mookie Blaylock em homenagem a um jogador de basquete, porém este nome não durou muito e a banda se intitulou de Pearl Jam. No final de 1990 o Pearl Jam se juntou com outra banda de Seattle, o Soundgarden e montaram o Temple of The Dog, gravando um disco em homenagem ao falecido vocalista do Mother Love Bone. 



Para justificar o nome Pearl Jam, Vedder inventou uma história sobre uma avó que fazia uma geleia especial, uma brincadeira que foi levada a sério por muitos anos. O grupo de Seattle acabou assinando contrato com a Epic e entrou em estúdio para gravar seu primeiro disco em março de 1991 no London Bridge. A produção ficou a cargo de Rick Parashar. O nome do disco, Ten foi em homenagem ao número da camisa usada pelo jogador de basquete Mookie Blaylock, que foi o primeiro nome da banda também.

Lançado em 27 de agosto de 1991, Ten mostra uma banda vigorosa, fazendo um rock intenso e energético, graças à raça de Eddie Vedder que canta com muita emoção e entrega nas músicas e aos bons instrumentistas do grupo, principalmente a dupla de guitarristas, Stone Gossard e Mike McCready. O disco demorou um pouco para emplacar, mas chegou ao topo das paradas, graças a grandes canções como “Alive”, “Even flow” e “Jeremy”.

O Pearl Jam não ficou totalmente satisfeito com a mixagem final do álbum, achando que foi utilizado muito reverb nas vozes e guitarras, algo que foi tirado dos álbuns seguintes da banda, que primam por uma produção bem discreta, sem muito overdub e reverb. O disco abre com a incendiária “Once” e em seguida com a melhor música do Pearl Jam, “Even flow” que tem uma letra que fala sobre moradores de rua e um lendário vídeo clipe ao vivo, em que Vedder se pendura no teto do teatro em que a banda se apresenta e se joga na plateia.




“Alive” conta a história de um garoto que descobre que seu pai na verdade é seu padrasto, seu pai biológico morreu e foi criado como se fosse filho por seu padrasto. O riff antológico da música se tornou um dos melhores da década de noventa e os solos finais mostram que o Pearl Jam se aproximava mais ao Classic Rock do que ao Punk, ao contrário de bandas contemporâneas como o Nirvana, por exemplo.

“Black” é uma daquelas canções para acender isqueiros nos shows, uma balada emocionante que se tornou obrigatória no repertório do Pearl Jam. “Jeremy” foi inspirada na história de um garoto que se matou na frente dos colegas de escola e tem um clipe que foi um dos mais premiados dos anos 90. A clássica linha de baixo na introdução da música é arrepiante, assim como a interpretação de Vedder, que conta a história deste garoto com muita emoção. 




“Oceans” fala sobre a paixão de Vedder pelo mar e pelo surf, enquanto “Porch” é uma canção vibrante e intensa. O Pearl Jam foi acusado algumas vezes de fazer um rock comercial demais, principalmente por Kurt Cobain, criando uma suposta rixa entre as bandas, mas o Pearl Jam sempre se mostrou como uma banda de rock alternativo, graças as suas posições ideológicas e políticas, por exemplo, na briga contra o monopólio de ingressos pela empresa Ticketmaster.

Ten catapultou o Pearl Jam ao estrelato, que depois deste fenômeno de vendas preferiu um caminho mais tranquilo para sua carreira, com discos sem tanta produção e mais focados na parte musical, sem muito investimento em divulgação e videoclipes milionários. A estratégia deu certo, tanto que o grupo está na ativa até hoje, com uma carreira sólida e consistente, com turnês sempre cheias e lucrativas. Um clássico do rock, que marcou uma geração de jovens, em uma década que talvez seja a última grande década do rock em todo mundo. 




16 de outubro de 2014

Manic Street Preachers se reinventa em Futurology



Em Julho deste ano saiu o último disco da banda Galesa Manic Street Preachers. Futurology é o décimo segundo álbum de estúdio do grupo e mostra uma banda ainda criativa e inventiva. Depois do belo, mas sonolento disco anterior, Rewind The Film de 2013, os Manics voltam com uma sonoridade influenciada pelo rock dos anos 80 e pela música eletrônica europeia do final dos anos 70. 


A banda que estourou nos anos 90 com hits como “A design for life” e “Everything must go” sempre esteve à margem do sucesso, com boas vendagens na Europa e Reino Unido, mas praticamente desconhecida do restante do mundo, tanto que nunca vieram tocar no Brasil. Com uma discografia prolífera e coerente o grupo vem superando todas as dificuldades que uma banda que fica muito tempo na ativa enfrenta, tendo que se reinventar a cada novo trabalho. 


Os Manics sempre tiveram como característica um som influenciado pelo pós-punk, com letras politizadas e com ideais de esquerda, aproximando-se sempre do socialismo. O grupo passou por um momento muito difícil em 1995, com o desaparecimento do guitarrista Richey Edwards, que foi visto pela última vez perto de uma ponte, o que alimenta a tese que ele cometeu suicídio. 

Depois de um disco com uma sonoridade mais acústica, em Futurology a banda faz um som que mescla a veia melódica que eles sempre tiveram com elementos eletrônicos e muita influência de bandas dos anos 80. A música de abertura, “Futurology” já mostra que o grupo traz de volta um pouco daquele som feito pela banda nos anos 90, com melodias envolventes e letras politizadas. 

“Walk to the bridge” tem um teclado bem oitentista e a letra dá a entender que fala sobre Richey Edwards, mas este fato foi desmentido pelo baixista e compositor da letra, Nick Wire. “Let´s go to war” tem elementos eletrônicos e é interessante, apesar de seu discurso um pouco panfletário. “The next jet to leave Moscow” com a participação do tecladista do Super Furry Animals, Cian Ciarán, tem uma melodia pop e envolvente. 




“Europa Geht Durch Mich" é uma das melhores do disco, tem uma letra propositalmente repetitiva, porém tem uma sacada legal na percussão tornando a música bem interessante. A letra é cantanda em inglês pelo vocalista James Dean Bradfield e em alemão pela atriz Nina Hoss e fala um pouco dos anseios da população europeia em relação ao futuro. “Divine youth” é uma belíssima canção com participação da artista galesa Georgia Ruth. 




“Sex, power, love and money” é o momento mais rock do disco, com uma guitarra mais pesada que lembra mais o Manics do início de carreira. "Dreaming a City (Hughesovka)" é instrumental e mistura elementos eletrônicos com bons solos de guitarra. "Black Square" , "Between the Clock and the Bed" e "The View from Stow Hill" tem aquelas belas melodias e refrões que a banda faz com muita eficiência, enquanto "Misguided Missile"  tem um ritmo mais puxado para o indie rock. O álbum termina com a instrumental "Mayakovsky", que no inicio faz uma referência ao final de “Helter skelter” dos Beatles em que Ringo Star reclama que está com bolhas nos dedos. 

Em Futurology o Manic Street Preachers faz um trabalho homogêneo e coeso, o disco não tem nenhum mega hit que se destaque tanto, mas todas as canções são boas e ouve-se o disco inteiro mantendo o mesmo interesse em todas as faixas. A banda obtém êxito ao se reinventar neste novo álbum, que dá ainda mais fôlego para a coerente carreira da banda galesa. Resta torcer que um dia quem sabe eles embarquem no Brasil para matar a sede dos poucos, mas fiéis fãs da banda no país.