15 de dezembro de 2015

Só a necrofilia da arte justifica o lançamento de Montage Of Heck: The Home Recordings

Imagine que você é um músico e faz gravações caseiras, sem maiores intenções, tocando e cantando porcamente só para exercitar seu lado criativo. Vinte e um anos após sua morte, um diretor de cinema resolve fazer um documentário sobre sua vida, descobre essas gravações e resolve lançá-las em um disco para o mundo inteiro ouvir. É isto que aconteceu com o pobre Kurt Cobain com o lançamento do CD Montage Of Heck: The Home Recordings.


O diretor Brett Morgen, do documentário sobre Kurt Cobain que foi lançado este ano (leia a resenha sobre o filme aqui) descobriu em sua pesquisa horas e horas de fitas com gravações de trechos de músicas, colagens musicais e outros experimentalismos de Kurt, além de várias pinturas, esculturas e outros itens que mostravam como Cobain era um artista extremamente criativo. Com o propósito de lançar uma trilha sonora para o filme, no final de novembro saiu o disco com trinta e uma “canções”, tiradas das gravações caseiras feitas pelo eterno líder do Nirvana.

Para fãs fervorosos do Nirvana e Kurt Cobain (como eu, por exemplo) que estão sempre à espera de algum material novo, alguma gravação inédita, seja da banda ou até mesmo de Kurt cantando no banheiro ou algo do tipo é bem vinda. Praticamente todas as gravações do Nirvana em estúdio já foram lançadas e a gravadora achou este “tesouro” guardado a sete chaves e é claro, os executivos da indústria da música querem descolar mais alguns dólares com o último grande astro do rock.

Musicalmente falando, pouca coisa se aproveita em Montage Of Heck: The Home Recordings. Talvez algumas das gravações pudessem se tornar grandes canções um dia, como “Burn de rain” (se Kurt não fosse interrompido por um telefonema no meio da gravação por alguém à procura de sua namorada na época, Tracy Marander) ou até mesmo “She only lies”, mas na maioria delas são apenas rascunhos de canções que jamais seriam lançadas.

O álbum tem uma versão de “And I love her” dos Beatles, mostrando o lado Beatlemaníaco de Kurt (apesar dele não gostar tanto de Paul McCartney) com Cobain cantando de uma forma singela e descompromissada ao mesmo tempo. Há também versões embrionárias de canções que fariam parte de discos do Nirvana, como “Been a son”, “Scoff” e “Frances Farmer will have her revenge on Seattle”.


A intenção do diretor do filme era mostrar com estas canções o processo criativo de Kurt, como ele estava sempre compondo e tendo ideias interessantes. Ouvindo o disco como fã é até interessante e divertido ouvir palhaçadas como “Beans” e “Montage of Kurt” e experimentalismos musicais como “Reverb experiment” e “Scream”, mostrando que provavelmente se ele não tivesse morrido iria partir para um caminho mais estranho e experimental em sua música.

O problema é quando pensamos no artista, que procura sempre mostrar o que há de melhor em seu trabalho. Será que Cobain iria querer lançar algum dia essas gravações se estivesse vivo? Obviamente a resposta seria não, mas a indústria musical precisa sempre extrair tudo dos artistas que já morreram, sem se importar se aquilo seria relevante para suas carreiras ou não. Só a necrofilia da arte justificaria um lançamento como este, mas de qualquer forma, para os órfãos fãs de Kurt Cobain qualquer migalha seria bem aceita, devido ao pouco material gravado em vida pelo artista. 


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