O ano de 1987 foi mágico
para a música. Grandes álbuns foram lançados neste ano, como The Joshua Tree do
U2 e Substance do New Order. No Brasil não foi diferente, neste mesmo ano foi
lançado o terceiro disco da Legião Urbana, Que País é Este, com uma sonoridade
diferente do disco anterior, Dois, um sucesso com várias canções que tocaram
nas rádios de todo o Brasil.
A gravadora pressionava a
banda por um novo lançamento depois do sucesso do segundo disco, mas devido ao
número de shows e compromissos do grupo ainda não havia material novo
suficiente. A solução foi resgatar músicas antigas de Renato Russo, da época em
que ele tocava no Aborto Elétrico (banda punk do final dos anos 70 em que
tocavam Renato e os irmãos Fê e Flávio Lemos que depois formaram o Capital
Inicial) e da época em que se apresentava sozinho só voz e violão como “Trovador
Solitário”.
O processo de gravação do
álbum foi bem rápido, as músicas em geral eram punk rocks simples e foram
gravados tudo de uma vez, com toda a banda tocando ao mesmo tempo. A produção
rústica
do disco gerou várias críticas, que diziam que o som da Legião estava “esquálido”
(segundo disse em uma entrevista o guitarrista Dado Villa-Lobos) entre outros
adjetivos não muito lisonjeadores. Mas o que poucos entenderam na época era que
o disco era para soar mesmo mais punk e rústico, mostrando uma urgência e uma
forma de protestar contra a situação do país naquele momento (e desde sempre).
Abrindo com a música título,
“Que País é Este?” foi composta em 1978 e continua cada vez mais atual, como
quase quarenta anos de vida. Um país infestado ainda pela corrupção com um
congresso corrupto e que só atende seus próprios interesses. “Conexão Amazônica”
é bem percussiva e pesada e fala sobre o tráfico de drogas, que até hoje impera
no Brasil, ou seja, em trinta anos quase nada mudou.
“Tédio (Com um T bem Grande
pra Você)” é um punk rock vigoroso e com uma letra ingênua, que fala sobre
tédio adolescente, enquanto “Depois do Começo” é um ska bem tosco, com uma
letra meio sem sentido, considerada por Renato Russo sua pior composição já
lançada. “Química” foi gravada pelo Paralamas do Sucesso em seu primeiro disco
de 1983, Cinema Mudo, sendo de certa forma “padrinhos” da Legião, pois foram Herbert
e sua turma que levaram a primeira demo da Legião para a gravadora ouvir, antes
de assinarem seu primeiro contrato.
“Eu Sei” é uma bela balada
folk e é da época em que Renato se apresentava só voz e violão, após o término
do Aborto Elétrico. “Faroeste Caboclo” é um épico de nove minutos e cento e cinquenta
e nove versos, que conta a história de
João de Santo Cristo, um anti-herói que representa de certa forma um lado ambíguo
do Brasil, da corrupção, do crime e do sofrimento do povo. Uma música que fez
um sucesso estrondoso e virou um clássico dentro do repertório da banda.
“Angra dos Reis” é mais
eletrônica e melancólica (só perde o posto de música mais depressiva da Legião
para “Vento no Litoral”). Uma de minhas canções preferidas de banda e a única a
ser composta depois do lançamento do disco Dois, assim como a música que
encerra o disco “Mais do Mesmo” que fala sobre o consumo e tráfico de drogas e
a pobreza da música popular brasileira (quer tema mais atual?). Os primeiros
versos da canção “Hey menino branco o que é que você faz aqui? / Subindo o
morro pra tentar se divertir” foram inspirados no trecho da música “I´m Waiting
for the Man” do Velvet Underground: “Hey, white boy, what you doin' uptown?”.
O disco Que País é Este?
gerou uma turnê que lotou diversos lugares e foi nesta turnê que aconteceu o
trágico show de Brasília em 1988, em que ocorreu uma confusão generalizada, um
louco subiu no palco e deu uma gravata em Renato Russo, bombas explodiram e por
um milagre ninguém acabou morrendo. Depois deste show a banda viu que era hora
de dar uma puxada no freio e veio com uma sonoridade mais leve em seu próximo
disco, As Quatro Estações de 1989.
Mesmo sendo uma espécie de disco
“tapa buraco” da discografia de Legião, Que País é Este? se tornou um clássico
do rock brasileiro e vendeu mais de um milhão de cópias. Com sua capa simples e
a sonoridade rústica, este álbum mostra uma atualidade que até assusta, mesmo
depois de trinta anos de seu lançamento. A decepção com a situação do Brasil e
com os rumos da música que eram demostradas por Renato em suas letras neste
disco são reflexos da situação do Brasil que nos atormentam até os dias atuais.