Este ano completaram-se 40
anos do lançamento do primeiro álbum da banda brasileira Secos e Molhados. O
grupo formado por Ney Matogrosso (vocais), Gérson Conrad (vocais e violão) e João
Ricardo (vocais, violões e harmônica) foi um verdadeiro fenômeno musical, tendo
seu primeiro álbum vendido mais de um milhão de cópias.
Inspirados pelo movimento
Tropicalista, liderado por Gilberto Gil e Caetano Veloso, o Secos e Molhados
construiu um som único neste disco. Uma panela de influências e ritmos, que
iam do Glam Rock ao Baião, do Blues ao Vira , (tradicional ritmo português)
entre outros estilos.
A banda tinha uma parte
performática muito forte, graças principalmente a Ney Matogrosso que também era
ator. O grupo incorporou o uso de maquiagem em suas apresentações, alguns dizem
que era pelo fato de quererem o anonimato, outros dizem que uma vez Ney chegou com
a cara pintada de uma peça direto para o show e eles acharam que a ideia era
interessante.
Uma grande lenda que cerca o
uso da maquiagem pelo Secos e Molhados é a história de que o Kiss tenha
roubado a ideia de se pintar da banda brasileira. Segundo Ney Matogrosso,
quando a banda foi ao México em 1974 ofereceram a ele uma carreira
internacional, mas ele teria que fazer um som mais pesado. Ney recusou a oferta
e disse que logo depois o Kiss estourou com seu Hard Rock e suas caras
pintadas. Muitos dizem que isto é lenda, que o Kiss já tocava com a cara
pintada desde 1972 e que não imitaram os Secos e Molhados. Eu não duvido que a
versão de Ney Matogrosso de que o Kiss imitou a banda brasileira seja verdade,
pois em se tratando dos marqueteiros do Kiss, tudo é possível.
A capa do primeiro disco do Secos e Molhados é um clássico à parte. A ideia veio do nome da banda, que foi
tirado de um armazém de Ubatuba que se chamava Secos e Molhados. Os objetos
colocados em cima da mesa seriam os mantimentos vendidos neste armazém e a
própria banda serrou a madeira da mesa para que suas cabeças coubessem e se
transformassem numa espécie de banquete macabro. Esta capa foi considerada pelo
jornal Folha de São Paulo a melhor capa de disco de todos os tempos da música
brasileira.
O disco começa com a música
“Sangue Latino”, com uma harmonia que ao mesmo tempo é linda e simples, e com
uma clássica marcação de baixo, que de tão econômica acaba sendo genial. A
letra fala do sentimento Latino Americano, a vontade de vencer os obstáculos e
de resistir à opressão.
A segunda música, “O Vira” é
um mistura de rock com a dança tradicional portuguesa. No meio da música, a
utilização do acordeom também mostra a tradicional música brasileira, como os
gêneros tradicionais do Nordeste e Rio Grande do Sul. A música cita ainda
personagens do folclore brasileiro como Sacis e Pirilampos. Muitos dizem que a
letra e o ritmo da música dão a entender certa liberação sexual, porém é uma
questão interpretativa, não podemos afirmar que isto seja totalmente
verdadeiro.
As letras deste disco também
são grande destaque, muitas são poemas musicados por João Ricardo, de autores
como Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Cassiano Ricardo. A música “O patrão
nosso de cada dia” tem uma belíssima letra, que critica a exploração dos
patrões aos empregados, além de um belíssimo solo de flauta. "Amor" tem uma linha de baixo fantástica, com uma harmonia de violões e um toque de psicodelia. Um dos momentos de virtuosismo do disco, mostrando que ali estavam músicos que sabiam muito bem o que estavam fazendo.
A canção “Primavera nos dentes”
foi feita a partir de um poema do pai de João Ricardo, o poeta João Apolinário,
que lutou contra a ditadura em seus anos mais rígidos. A letra fala de uma
forma velada sobre a resistência ao que é imposto, no caso a ditadura no
Brasil. A música é um blues com uma grande parte de introdução, com um grito
primal de Ney a cada fim de estrofe. A introdução desta música lembra bastante o começo da música "Breathe" do Pink Floyd.
“Assim assado” é um crítica à
violência policial contra os negros, uma música que tem uma grande variação
rítmica, o que pode ser considerado uma espécie de rock progressivo. “Mulher
barriguda” fala da incerteza sobre o futuro das crianças no Brasil.
“Rosa de Hiroshima” é um
poema de Vinícius de Moraes, musicada por Gérson Conrad. A letra fala sobre a
bomba de Hiroshima e suas trágicas consequências, uma ode contra a guerra e as
injustiças causadas por ela. Destaque para a excelente interpretação vocal
de Ney nesta música, que emociona até os mais durões.
Na sequência do disco três
músicas curtas, porém não menos poéticas. “Prece cósmica”, “Rondó do capitão”
(poema de Manuel Bandeira musicado por João Ricardo) e “As andorinhas” formam
uma tríade em que fica mais explícita a delicadeza e qualidade instrumental do
disco.
Para encerrar o disco, o
grande sucesso “Fala”, com mais um excepcional desempenho vocal de Ney
Matogrosso. Para este disco a banda teve a participação de grandes músicos de
apoio como, por exemplo, o lendário músico Zé Rodrix, que tocou também com Raul
Seixas entre outros. Rodrix tocou ocarina, sintetizador, acordeão e piano,
enriquecendo os arranjos e a qualidade do álbum.
O Secos e Molhados era uma
banda de rock que não tocava rock. Mesmo utilizando instrumentos que não são
tão ligados ao estilo, como flauta e violão de 12 cordas, a atitude do grupo fazia com que os simpatizantes do rock se identificassem com aquela postura
contestadora e impressionante do Secos e Molhados.
Em 1974 a banda lançava seu
segundo disco, que se chamava também apenas Secos e Molhados. O disco conseguia
ser tão bom quanto o primeiro, porém, devido à desavenças, Ney Matogrosso
deixou o grupo logo após o lançamento. A banda acabou não podendo divulgar o
disco adequadamente. O álbum infelizmente não fez o sucesso merecido, e a banda
até continuou depois com outras formações, mas nunca mais alcançou o sucesso
inicial.
Realmente o Secos e
Molhados foi uma marco na música brasileira, com suas grandes músicas e com
um instrumental bem tocado misturado com ritmos regionais, rock e poesia. Um
dos pilares do rock brasileiro que merece todo o tipo de homenagem.
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