27 de outubro de 2013

O enigmático disco da Legião Urbana

O Brasil passava por diversas dificuldades no início dos anos 90, altas taxas de desemprego, hiperinflação, baixo crescimento econômico entre outras coisas. Um novo presidente havia sido eleito, o primeiro eleito democraticamente depois de vários anos da ditadura militar.

O rock passava por uma espécie de ressaca dos anos 80, após um imenso sucesso comercial, as bandas começaram a ter seu espaço reduzido na mídia e a vendagem de discos e agenda de shows começavam a diminuir, tendo a concorrência de outros estilos musicais como a Lambada e o Sertanejo.

Dentro deste contexto, a Legião Urbana lançava em novembro de 1991 seu quinto disco, intitulado apenas V, em forma de algarismo romano. O álbum sucedia As Quatro Estações, que tinha vendido mais de Um milhão de cópias.


O disco tem uma temática densa, influenciada pelo polêmico Plano Collor, que afetou a vida de milhões de pessoas e pelos problemas de dependência química de Renato Russo. Renato costumava dizer que este álbum era similar na discografia da Legião Urbana ao disco Pornography do The Cure, talvez o mais denso e depressivo da banda.

O Plano Collor I teve entre outras medidas o confisco do dinheiro da poupança e a mudança da moeda do Cruzado Novo para o Cruzeiro, com o intuito de acabar com a inflação e de estabilizar a economia, porém o plano não deu certo e acabou prejudicando muitas pessoas, entre elas o vocalista Renato Russo.

O disco tem várias referências medievais e da literatura, já em sua sonoridade tem uma grande influência do rock progressivo. A primeira música “Love Song” trata-se de um uma cantiga de amor em português arcaico, composta no século XIII por Nuno Fernandes Torneol. Renato Russo disse em uma entrevista que a primeira frase da letra da música “Pois nasci nunca vi amor” descreveria bem a temática do disco.


A música seguinte “Metal contra as nuvens” mostra o lado mais progressivo do som do disco, um épico de mais de onze minutos, dividida em quatro partes. Nesta música fica mais evidente a rusga de Renato com o Governo Collor. Nos trechos “Quase acreditei na sua promessa / E o que vejo é fome e destruição” ou em “Existem os tolos e existe o ladrão / E há quem se alimente do que é roubo / Mas vou guardar o meu tesouro / Caso você esteja mentindo” fica claro o descontentamento do povo com as medidas do governo.




Nesta música percebe-se a evolução musical da banda. Mesmo não sendo grandes instrumentistas, o guitarrista Dado Villa Lobos e o baterista Marcelo Bonfá (considerado por muitos um baterista fraco), conseguem fazer belos arranjos, mais elaborados em relação aos discos anteriores da banda.

A música “A montanha mágica” é bem enigmática, mas dá a entender que fala sobre a dependência química de Renato Russo. No trecho “Minha papoula da Índia / Minha flor da Tailândia / És o que tenho de suave / E me fazes tão mal”, possivelmente fala sobre a dependência química, pois a papoula é uma substância utilizada em alguns alucinógenos.

A música “Teatro dos Vampiros” foi composta pelo baterista Marcelo Bonfá, sendo a letra feita pelo Renato Russo. Aqui a temática gira em torno da crise econômica “Vamos sair, mas não temos mais dinheiro / Os meus amigos todos estão procurando emprego” e a desilusão da juventude “Voltamos a viver como a dez anos atrás / E a cada hora que passa / Envelhecemos dez semanas”

“Vento no litoral” talvez seja a música mais depressiva da Legião Urbana. A letra versa sobre um amor que se foi, com um clima bem triste. A citação na letra sobre cavalos marinhos pode ter razão no fato dos casais desta espécie ficarem juntos pelo resto da vida. Este fato fica no campo da hipótese, dando um ar enigmático à letra da música. 




"L'âge D'or" é também o nome de um filme surrealista de 1930, dirigido por Luis Bunuel. A música conta com belo slide guitar de Dado Villa Lobos e também cita um trecho que fala sobre drogas “Já tentei muitas coisas / De heroína a Jesus”.

V é um disco de grandes referências com um clima pesado e depressivo. Algo que pode ter influenciado a temática do álbum foi a descoberta de Renato Russo em ser soropositivo. Mais um grande clássico lançado pela Legião Urbana, talvez a banda que mais tenha marcado a história do rock brasileiro.









2 comentários:

  1. Muito bem explicado. Quem curtiu os outros discos da Legião Urbana, com seus hits dançantes, estranhou um pouco esse trabalho que pareceu ser mais depressivo até mesmo do que o disco póstumo Uma Outra Estação. Mesmo assim, introspectivo e denso, é um álbum muito interessante. Concordo também quanto ao crescimento musical da banda. Faço coro ao achar Bonfá um baterista limitadíssimo, e Dado um guitarrista comum, mas eles se superaram e conseguiram melhorar suas performances.

    ResponderExcluir
  2. O Renato Rocha chamava o Bonfá de pilha fraca, pois ele começava a música em um ritmo e terminava em outro hehehe.

    ResponderExcluir