6 de novembro de 2014

Clássicos do Brasil – Krig-Ha, Bandolo!

Em meados dos anos 60, Raul Seixas montava em Salvador sua primeira banda de rock, Os Panteras, que chegou a ter certo destaque na cena musical baiana na época. O primeiro e único disco da banda, Raulzito e Os Panteras, foi lançado em 1968, mas não conseguiu sucesso nem de crítica e nem de público, o que frustrou profundamente Raulzito.

A banda acabou se mudando para o Rio de Janeiro e Raul acabou passando por momentos difíceis, mesmo recebendo ajuda de amigos como Jerry Adriani, que chamava Os Panteras para ser seu grupo de apoio, mas a banda infelizmente não decolou e Raulzito passou fome durante um bom tempo no Rio, antes de decidir voltar para Salvador. 

Já de volta a Bahia, Raul conhece um diretor da gravadora CBS que convida Raulzito para ser produtor da gravadora. Seixas aceitou, vendo que com seus conhecimentos enciclopédicos de música poderia se dar muito bem como produtor fonográfico. O Maluco Beleza então fez as malas e voltou para o Rio de Janeiro, com sua esposa na época, Judith, para tentar uma nova chance em sua carreira.

Na CBS Raul fez vários amigos e teve músicas gravadas por gente como Jerry Adriani, Ed Wilson, Renato e Seus Blue Caps. Em 1971 fez mais um projeto musical mal sucedido: O Lp  Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, em parceria com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star. O disco era totalmente experimental, com bastante influência de Frank Zappa e Sgt. Pepper´s dos Beatles. A gravadora não gostou do resultado final e não investiu em divulgação e o disco foi um fracasso de vendas.

Em 1972 decide participar do Festival Internacional da Canção e compõe duas músicas, uma defendida por ele mesmo, “Let me sing, let me sing” e outra defendida por Lena Rios e os Lobos, “Eu sou eu e nicuri é o diabo”. As duas canções chegaram à final do concurso e Raul obteve sucesso de crítica e de público, sendo contratado pela gravadora Philips. Finalmente Raulzito poderia gravar seu primeiro disco solo.

O nome Krig-Ha, Bandolo! significa “Cuidado, aí vem o inimigo!” e era uma referência ao grito do personagem dos quadrinhos, Tarzan, e uma mensagem subliminar contra a ditadura. Foi neste disco que a parceria com Paulo Coelho começou. Diz a lenda que Rauzito era bem careta quando conheceu Paulo (tanto que Coelho chegou a estranhar aquele rapaz de terno e pasta 007, pensando que ele era da polícia, quando Raul foi pela primeira vez em seu escritório) e só começou a usar drogas depois de conviver com Paulo Coelho. 


Krig-Ha bandolo! é uma coleção de grandes músicas, com letras inteligentes e inventivas, que tem um grande teor crítico em suas entrelinhas, principalmente à ditadura e a aquilo que já era pré-estabelecido dentro da sociedade. Produzido por Marco Mazzola, começa com uma gravação em que Raulzito ainda criança, canta um rock da década de 50, mostrando o amor pelo rock desde a infância. “Mosca na sopa” tem um ritmo de candomblé, com coral de lavadeiras e uma letra que mostra que Seixas viria para perturbar, questionar o que era dito como certo e incomodaria muita gente grande por aí.

“Metamorfose ambulante” é uma balada folk em que Raul afirma que prefere ser uma metamorfose a ser um ser humano pré- moldado que tem as mesmas opiniões de sempre. Um dos maiores clássicos do rock nacional e da carreira de Raulzito. “Dentadura postiça” tem uma letra que cita Cristo, Jó e o Juízo final, mostrando todo o conhecimento do Maluco Beleza, que sempre abusou dos personagens históricos e místicos em suas letras.



"As minas do Rei Salomão" cita além do livro, Dom Quixote, e faz uma grande analogia com a vida de Raulzito. "A hora do trem passar" é um momento mais lírico do disco, com uma interpretação simples e sincera de Raul. “Al capone” é um rock sobre o famoso gângster e cita personagens como Júlio Cesar, o imperador romano e Jimi Hendrix, em outra grande clássico de sua carreira.


"How could I know" mostra que se Raulzito cantasse em inglês não teria dificuldades para fazer sucesso no exterior. "Rockixe" é um rock provocador, em que Seixas afirma que vai conseguir tudo o que quiser. “Cachorro urubu” tem um tom otimista, apesar de sua forte letra: “Baby a estória é a mesma / Aprendi na quaresma / Depois do carnaval / A carne é algo mortal”.

“Ouro de tolo” é uma irônica crítica ao regime militar e ao milagre econômico ocorrido no Brasil nos anos 70. Na letra Raulzito afirma: “Eu é que não me sento / No trono de um apartamento / Com a boca escancarada / Cheia de dentes / Esperando a morte chegar”. Ironicamente, Raul morreu vítima do alcoolismo em seu apartamento em 1989, contradizendo de certa forma uma de suas mais famosas letras. Krig-Ha Bandolo é junto com o disco Gita, o disco mais importante e emblemático de sua carreira, uma grande estreia solo de um dos artistas mais revolucionários da música brasileira. 



3 comentários:

  1. Raulzito no auge de sua criatividade nos trouxe disco maravilhosos e com temáticas surpreendentemente atuais. Vibrante, enérgico, inquieto, inteligente... São alguns predicados que Raul Seixas merece. Morreu em dificuldades, segundo alguns, por não aceitar se vender ao sistema que tanto combatia. Krig Ha Bandolo é petardo obrigatório na estante de quem gosta de boa música. Aliás, ainda não lhe parabenizei, Roberto, pelo excelente blog. Um abraço.

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    1. Raul Seixas é essencial para quem quer conhecer a história do rock brasileiro e Krig Ha Bandolo, na minha opinião é seu melhor trabalho.

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  2. Valeu pelo elogio Janerson, obrigado por ler o blog, o objetivo é falar sobre os clássicos fazendo uma análise inteligente e sem criar polêmicas forçadas! Abraço!

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