2 de outubro de 2014

Cabeça Dinossauro – O melhor disco dos anos 80?

A banda paulistana Titãs já tinha dois discos de estúdio em 1986, Titãs de 1984 e Televisão de 1985. Discos irregulares que tinham boas músicas, mas ainda faltava uma unidade em termos de arranjos e direção musical, tanto que músicas como “Marvin”, “Go back” e “Querem meu sangue” ganharam novos arranjos e andamentos nos shows com o passar dos anos.


Um fato marcou definitivamente a história da banda em 1985: Arnaldo Antunes e Tony Belloto foram presos por porte de heroína. O Titãs a partir de então resolveu adotar em sua sonoridade uma postura mais punk e combativa, com letras contestadoras e fortes. A banda começava então a gravar seu terceiro disco de estúdio e pela primeira vez trabalhava com o maior produtor do Brasil na época: Liminha. Apesar dos desentendimentos iniciais, foi o início de uma parceria vencedora entre a banda e o produtor. 


Era o último disco do contrato da banda com a Warner, uma espécie de tudo ou nada, os álbuns anteriores não tinham atingido boas vendagens e a banda estava pressionada por um disco de sucesso. Cabeça Dinossauro foi gravado entre março e abril de 1986, no estúdio Nas Nuvens, de propriedade de Liminha. Para a capa, foi escolhida um esboço de uma obra de Leonardo da Vinci, “A expressão de um homem urrando” e na contracapa outro desenho de Da Vinci, “Cabeça grotesca”. O uso das obras foi cedido pelo Museu de Louvre da França.

A banda finalmente encontrava uma direção musical definitiva. Antes, nos álbuns anteriores, o grupo fazia uma mistura de new wave e MPB às vezes um tanto desconexa. O punk rock agora predominava no som do Titãs, com pitadas de funk e reggae. Uma sonoridade mais concisa e ainda sim variada, graças ao grande número de cabeças pensantes e criativas dentro da banda. 

A música de abertura, a tribal “Cabeça dinossauro” foi adaptada de um cerimonial da tribo Xingu intitulada “Cerimonial para afugentar os maus espíritos”. Com sua característica primal e percussiva é uma das aberturas mais fortes de um disco lançado no Brasil. A letra não faz tanto sentido e é um daquelas letras clássicas da banda influenciadas pelo concretismo. 

“AA UU” é uma canção primária e simples, que conquista o ouvinte logo de cara. Um desabafo contra a rotina e o tédio. Composta por Sérgio Britto e Marcelo Fromer, começou com os dois gritando na cozinha da casa de um deles, mostrando que as ideias mais simples são aquelas que podem dar mais certo. “Igreja” é a primeira música mais punk do disco, mostrando o descontentamento com a religião, a igreja e os dogmas. 





“Polícia”, composta por Tony Belloto, é claramente influenciada pelo episódio de sua prisão. Uma pedrada que critica o abuso policial e é obrigatória em qualquer show da banda. “Estado violência” foi composta por Charles Gavin na época que ele ainda era do Ira!. A música na época se chamava “Homem palestino” e tinha outra letra. Com o Titãs ganhou outra roupagem e letra, criticando a violência do Estado, com uma guitarra funkeada e ótima interpretação vocal de Paulo Miklos, o melhor cantor da banda.



“A face do destruidor” é uma vinheta caótica com ritmo desconexo, enquanto “Porrada” e “Tô cansado” são punks rápidos e diretos, com muita energia. “Bichos escrotos” é uma das mais antigas do Titãs, tanto que era tocada quando ainda eram um grupo performático de Teatro, quando estudavam no Colégio Equipe no começo dos anos 80 e tinha participação do antigo integrante da banda, Ciro Pessoa. Foi censurada na época pelo uso de palavrões na letra, resquícios da ditadura militar que há pouco tinha terminado no Brasil.

“Família” é o momento reggae do disco, uma letra que fala sobre o cotidiano de quase toda a família. “Homem primata” foi a música que mais tocou nas rádios e fala sobre o capitalismo. A canção inicialmente foi composta para ser gravada por Lulu Santos, mas o Titãs acabou aproveitando ela e esta virou um de seus maiores sucessos. 



“Dívidas” é sobre as contas que todos nós temos que quitar no decorrer da vida e o salário que nunca é suficiente, em um ciclo que parece interminável. “O que” encerra o disco e tem uma sonoridade bem diferente do restante do álbum. Aqui o som é bem funkeado com uso de bateria eletrônica e foi a canção que mais deu trabalho nas gravações. Esta canção abria novos horizontes e mostrava o som que o Titãs iria fazer em seu próximo disco, Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas, que tem um lado inteiro só com músicas neste estilo.

Cabeça Dinossauro é o disco de estúdio mais bem sucedido da carreira do Titãs e das treze músicas do disco somente “Dívidas” e “A face do destruidor” não tocaram na rádio. Finalmente o Titãs encontrava uma unidade musical em meio a tantas influências e fez seu melhor trabalho em todos os aspectos. É difícil afirmar que este seja o melhor disco de rock dos anos 80 em meio a tantos outros, mas com certeza foi o que melhor representou o momento político e social da época. Um trabalho essencial que sobreviveu muito bem com o passar do tempo.




3 comentários:

  1. Esse disco mostrou uma banda politizada e com uma sonoridade diferente do que haviam feito até então. Talvez Massacre, última música do disco Televisão, tenha se aproximado do que foi feito em Cabeça Dinossauro. Coloco esse disco ao lado de Nós Vamos Invadir sua Praia do Ultraje a Rigor, O Concreto já Rachou da Plebe Rude, Psicoacústica do Ira! e o 1º disco do Capital Inicial entre os melhores dos anos 80.

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  2. Fiz resenhas no blog sobre o Concreto já rachou e o Psicoacustica dê uma olhada depois. O primeiro do Capital é muito bom mesmo, pena que hoje em dia eles ficaram muito comerciais.

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  3. Valeu a dica. Vou dar uma lida e comentar sobre esses álbuns. abraço.

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