A banda paulistana Titãs já
tinha dois discos de estúdio em 1986, Titãs de 1984 e Televisão de 1985. Discos
irregulares que tinham boas músicas, mas ainda faltava uma unidade em termos de
arranjos e direção musical, tanto que músicas como “Marvin”, “Go back” e
“Querem meu sangue” ganharam novos arranjos e andamentos nos shows com o passar
dos anos.
Um fato marcou
definitivamente a história da banda em 1985: Arnaldo Antunes e Tony Belloto
foram presos por porte de heroína. O Titãs a partir de então resolveu adotar em
sua sonoridade uma postura mais punk e combativa, com letras contestadoras e
fortes. A banda começava então a gravar seu terceiro disco de estúdio e pela
primeira vez trabalhava com o maior produtor do Brasil na época: Liminha.
Apesar dos desentendimentos iniciais, foi o início de uma parceria vencedora
entre a banda e o produtor.
Era o último disco do
contrato da banda com a Warner, uma espécie de tudo ou nada, os álbuns
anteriores não tinham atingido boas vendagens e a banda estava pressionada por
um disco de sucesso. Cabeça Dinossauro foi gravado entre março e abril de 1986,
no estúdio Nas Nuvens, de propriedade de Liminha. Para a capa, foi escolhida um
esboço de uma obra de Leonardo da Vinci, “A expressão de um homem urrando” e na
contracapa outro desenho de Da Vinci, “Cabeça grotesca”. O uso das obras foi cedido pelo Museu de Louvre da França.
A banda finalmente
encontrava uma direção musical definitiva. Antes, nos álbuns anteriores, o grupo
fazia uma mistura de new wave e MPB às vezes um tanto desconexa. O punk rock
agora predominava no som do Titãs, com pitadas de funk e reggae. Uma sonoridade
mais concisa e ainda sim variada, graças ao grande número de cabeças pensantes
e criativas dentro da banda.
A música de abertura, a
tribal “Cabeça dinossauro” foi adaptada de um cerimonial da tribo Xingu
intitulada “Cerimonial para afugentar os maus espíritos”. Com sua
característica primal e percussiva é uma das aberturas mais fortes de um disco
lançado no Brasil. A letra não faz tanto sentido e é um daquelas letras
clássicas da banda influenciadas pelo concretismo.
“AA UU” é uma canção
primária e simples, que conquista o ouvinte logo de cara. Um desabafo contra a
rotina e o tédio. Composta por Sérgio Britto e Marcelo Fromer, começou com os
dois gritando na cozinha da casa de um deles, mostrando que as ideias mais
simples são aquelas que podem dar mais certo. “Igreja” é a primeira música mais
punk do disco, mostrando o descontentamento com a religião, a igreja e os
dogmas.
“Polícia”, composta por Tony
Belloto, é claramente influenciada pelo episódio de sua prisão. Uma pedrada que
critica o abuso policial e é obrigatória em qualquer show da banda. “Estado
violência” foi composta por Charles Gavin na época que ele ainda era do Ira!. A
música na época se chamava “Homem palestino” e tinha outra letra. Com o Titãs
ganhou outra roupagem e letra, criticando a violência do Estado, com uma
guitarra funkeada e ótima interpretação vocal de Paulo Miklos, o melhor cantor
da banda.
“A face do destruidor” é uma
vinheta caótica com ritmo desconexo, enquanto “Porrada” e “Tô cansado” são
punks rápidos e diretos, com muita energia. “Bichos escrotos” é uma das mais
antigas do Titãs, tanto que era tocada quando ainda eram um grupo performático
de Teatro, quando estudavam no Colégio Equipe no começo dos anos 80 e tinha
participação do antigo integrante da banda, Ciro Pessoa. Foi censurada na época
pelo uso de palavrões na letra, resquícios da ditadura militar que há pouco
tinha terminado no Brasil.
“Família” é o momento reggae
do disco, uma letra que fala sobre o cotidiano de quase toda a família. “Homem
primata” foi a música que mais tocou nas rádios e fala sobre o capitalismo. A
canção inicialmente foi composta para ser gravada por Lulu Santos, mas o Titãs
acabou aproveitando ela e esta virou um de seus maiores sucessos.
“Dívidas” é sobre as contas que todos nós temos que quitar no decorrer da vida e o salário que nunca é
suficiente, em um ciclo que parece interminável. “O que” encerra o disco e tem
uma sonoridade bem diferente do restante do álbum. Aqui o som é bem funkeado
com uso de bateria eletrônica e foi a canção que mais deu trabalho nas
gravações. Esta canção abria novos horizontes e mostrava o som que o Titãs iria
fazer em seu próximo disco, Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas, que tem
um lado inteiro só com músicas neste estilo.
Cabeça Dinossauro é o disco
de estúdio mais bem sucedido da carreira do Titãs e das treze músicas do disco
somente “Dívidas” e “A face do destruidor” não tocaram na rádio. Finalmente o
Titãs encontrava uma unidade musical em meio a tantas influências e fez seu
melhor trabalho em todos os aspectos. É difícil afirmar que este seja o melhor
disco de rock dos anos 80 em meio a tantos outros, mas com certeza foi o que
melhor representou o momento político e social da época. Um trabalho essencial
que sobreviveu muito bem com o passar do tempo.
Esse disco mostrou uma banda politizada e com uma sonoridade diferente do que haviam feito até então. Talvez Massacre, última música do disco Televisão, tenha se aproximado do que foi feito em Cabeça Dinossauro. Coloco esse disco ao lado de Nós Vamos Invadir sua Praia do Ultraje a Rigor, O Concreto já Rachou da Plebe Rude, Psicoacústica do Ira! e o 1º disco do Capital Inicial entre os melhores dos anos 80.
ResponderExcluirFiz resenhas no blog sobre o Concreto já rachou e o Psicoacustica dê uma olhada depois. O primeiro do Capital é muito bom mesmo, pena que hoje em dia eles ficaram muito comerciais.
ResponderExcluirValeu a dica. Vou dar uma lida e comentar sobre esses álbuns. abraço.
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