Quase trinta anos depois de
seu lançamento, o disco da banda brasiliense Plebe Rude, O Concreto Já Rachou,
continua com um discurso nas letras que combinam perfeitamente aos dias atuais,
tanto na política como na indústria fonográfica. Aí vem a pergunta: Será que
nada mudou? Ficamos estagnados ou a Plebe previu o futuro e fez uma música que seria
sempre atual? É o que discutiremos neste post.
Formada em 1981, a Plebe
Rude assinou contrato com a EMI em 1985 e lançou seu primeiro disco, na verdade
um EP com 7 músicas e apenas 21 minutos de duração, chamado O Concreto Já
Rachou. Mesmo tendo material para um disco completo a gravadora pelo visto
preferiu lançar um álbum com poucas canções, com receio da receptividade do
público. O álbum foi um sucesso, alcançando mais de 200 mil cópias vendidas,
sendo o trabalho mais bem sucedido da banda.
Com Phillipe Seabra nas
guitarras e vocais, Jander Billaphra nas guitarras e vocais, André X no baixo e
Gutje Woortman na bateria, a Plebe na época fazia um som com muito influência
de grupos como The Clash e PIL. O revezamento nos vocais e as letras politizadas
e sem romantismo diferenciavam a banda dos seus contemporâneos da década de 80.
Mesmo sendo pessoas com boa
condição econômica e social, os integrantes mostravam neste disco em suas
letras e ideologias, uma preocupação com situação do país. A desigualdade
social, o abuso policial e os interesses mercantilistas das grandes gravadoras
eram os alvos principais das letras da banda. As letras fortes misturadas com
um sonoridade punk e ao mesmo tempo melodiosa
transformaram O Concreto Já Rachou em um dos discos mais clássicos do
rock brasileiro.
A música de abertura “Até
quando esperar” fala das injustiças sociais que ocorrem no Brasil. Uma canção
que poderia soar datada, mas mesmo o país estar melhor economicamente do que na
década de 80, o nível de pobreza ainda é muito grande. Na letra feita por
Phillipe Seabra e André X, o grupo afirma que tem boas condições financeiras,
mas isto não é motivo para esquecer o mundo ao redor, ao contrário de muitos
ricaços e socialites que se fecham em seus pequenos mundos e parece viver em
uma redoma de vidro.
“Proteção” fala sobre a
repressão e violência policial, resquícios ainda da ditadura militar, que em
1985 tinha terminado havia pouco tempo. Cada vez mais atual esta letra combina
perfeitamente com os abusos da polícia militar, principalmente no Estado de São
Paulo, que ocorrem com muita frequência hoje em dia: “A PM na rua nosso medo de
viver / O consolo é que eles vão me proteger / A única pergunta é: me proteger
do que? / Sou uma minoria mais pelo menos falo o que quero apesar repressão”.
“Minha renda” critica a
ganância das grandes gravadoras na época que interferiam na sonoridade do
artista, para que ele fosse cada vez mais comercial: “Um lá menor aqui, um
coralzinho de fundo (fundo!) / Minha letra é muito forte? Se quiser eu a mudo /
e tem que ter refrão (sim!) um refrão repetido (repetido!) / pra música vender,
tem que ser accessível!”.
A música tem até uma
homenagem a Herbert Vianna “Já sei o que fazer para ganhar muita grana / Vou
mudar meu nome para Herbert Vianna”. Vianna acabou se tornando amigo da Plebe e
produziu o disco O Concreto Já Rachou. A letra de “Minha renda” retrata muito
bem a situação da música mundial. Os artistas estão cada vez mais artificiais e
comerciais, sem atitude e fazendo música só para vender mesmo. No Brasil a
situação parece ser ainda pior: Pseudo artistas, duplas que se dizem sertanejas
fazendo música da pior qualidade, entre outras armações imperam nas paradas de
sucesso nas rádios e na TV.
"Sexo e Karatê"
fala sobre o excesso de cenas de sexo e violência nos filmes e séries da TV da
época. Isto pouco mudou nos dias atuais, podemos fazer até uma analogia que o
Karatê da letra seria hoje em dia as tais lutas de MMA, uma espécie de
“violência gratuita com regras”, que impera nas TVs e que geram milhões em
dinheiro aos envolvidos. A música tem a participação de Fernanda Abreu nos
vocais.
“Seu jogo” fala do jogo sujo
que algumas pessoas são capazes de fazer. “Brasília” encerra o disco falando
sobre uma cidade que foi criada para ser a capital do Brasil e acabou virando
símbolo da inoperância e corrupção: “Capital da esperança / asas e eixos do
Brasil / Longe do mar, da poluição / Mas um fim que ninguém previu”.
Com certeza as melhores
obras são aquelas que são feitas para durar para sempre. Acho que nem os
integrantes esperavam que 29 anos depois do lançamento de seu primeiro disco,
as letras seriam tão verídicas e atuais. É difícil constatar que em alguns
aspectos, nada mudou no Brasil em 29 anos e que estamos estagnados há muito
tempo. Ponto para a Plebe Rude que diferente do rock brasileiro alienado atual
(poucas bandas novas tem opiniões políticas em suas letras) soube analisar como
poucas a situação caótica de nosso país. Não é a toa que O Concreto Já Rachou é
um dos melhores discos feitos no país.
Verdadeiro discão de uma banda afiada e politizada. Desde o hino Até Quando Esperar até Brasília, ouvimos grandes músicas. Com uma galera entrosada e vocais divididos. Uma obra-prima de um grupo que prometia seguir entre as melhores, mas que, infelizmente, acabou perdendo o fôlego.
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