22 de setembro de 2014

O Concreto Já Rachou – Um disco cada vez mais atual

Quase trinta anos depois de seu lançamento, o disco da banda brasiliense Plebe Rude, O Concreto Já Rachou, continua com um discurso nas letras que combinam perfeitamente aos dias atuais, tanto na política como na indústria fonográfica. Aí vem a pergunta: Será que nada mudou? Ficamos estagnados ou a Plebe previu o futuro e fez uma música que seria sempre atual? É o que discutiremos neste post.


Formada em 1981, a Plebe Rude assinou contrato com a EMI em 1985 e lançou seu primeiro disco, na verdade um EP com 7 músicas e apenas 21 minutos de duração, chamado O Concreto Já Rachou. Mesmo tendo material para um disco completo a gravadora pelo visto preferiu lançar um álbum com poucas canções, com receio da receptividade do público. O álbum foi um sucesso, alcançando mais de 200 mil cópias vendidas, sendo o trabalho mais bem sucedido da banda.

Com Phillipe Seabra nas guitarras e vocais, Jander Billaphra nas guitarras e vocais, André X no baixo e Gutje Woortman na bateria, a Plebe na época fazia um som com muito influência de grupos como The Clash e PIL. O revezamento nos vocais e as letras politizadas e sem romantismo diferenciavam a banda dos seus contemporâneos da década de 80. 

Mesmo sendo pessoas com boa condição econômica e social, os integrantes mostravam neste disco em suas letras e ideologias, uma preocupação com situação do país. A desigualdade social, o abuso policial e os interesses mercantilistas das grandes gravadoras eram os alvos principais das letras da banda. As letras fortes misturadas com um sonoridade punk e ao mesmo tempo melodiosa  transformaram O Concreto Já Rachou em um dos discos mais clássicos do rock brasileiro.

A música de abertura “Até quando esperar” fala das injustiças sociais que ocorrem no Brasil. Uma canção que poderia soar datada, mas mesmo o país estar melhor economicamente do que na década de 80, o nível de pobreza ainda é muito grande. Na letra feita por Phillipe Seabra e André X, o grupo afirma que tem boas condições financeiras, mas isto não é motivo para esquecer o mundo ao redor, ao contrário de muitos ricaços e socialites que se fecham em seus pequenos mundos e parece viver em uma redoma de vidro. 



“Proteção” fala sobre a repressão e violência policial, resquícios ainda da ditadura militar, que em 1985 tinha terminado havia pouco tempo. Cada vez mais atual esta letra combina perfeitamente com os abusos da polícia militar, principalmente no Estado de São Paulo, que ocorrem com muita frequência hoje em dia: “A PM na rua nosso medo de viver / O consolo é que eles vão me proteger / A única pergunta é: me proteger do que? / Sou uma minoria mais pelo menos falo o que quero apesar repressão”.



 “Johnny Vai à Guerra” foi inspirada no livro de 1939 e filme de 1971 que foi traduzido no Brasil com este mesmo nome. Fala sobre um jovem que vai à guerra de forma forçada e se sente perdido em meio aquele conflito. Uma letra que podemos relacionar com as guerras que acontecem ainda hoje e os milhares de jovens que são recrutados e acabam morrendo na guerra.

“Minha renda” critica a ganância das grandes gravadoras na época que interferiam na sonoridade do artista, para que ele fosse cada vez mais comercial: “Um lá menor aqui, um coralzinho de fundo (fundo!) / Minha letra é muito forte? Se quiser eu a mudo / e tem que ter refrão (sim!) um refrão repetido (repetido!) / pra música vender, tem que ser accessível!”.

A música tem até uma homenagem a Herbert Vianna “Já sei o que fazer para ganhar muita grana / Vou mudar meu nome para Herbert Vianna”. Vianna acabou se tornando amigo da Plebe e produziu o disco O Concreto Já Rachou. A letra de “Minha renda” retrata muito bem a situação da música mundial. Os artistas estão cada vez mais artificiais e comerciais, sem atitude e fazendo música só para vender mesmo. No Brasil a situação parece ser ainda pior: Pseudo artistas, duplas que se dizem sertanejas fazendo música da pior qualidade, entre outras armações imperam nas paradas de sucesso nas rádios e na TV. 



"Sexo e Karatê" fala sobre o excesso de cenas de sexo e violência nos filmes e séries da TV da época. Isto pouco mudou nos dias atuais, podemos fazer até uma analogia que o Karatê da letra seria hoje em dia as tais lutas de MMA, uma espécie de “violência gratuita com regras”, que impera nas TVs e que geram milhões em dinheiro aos envolvidos. A música tem a participação de Fernanda Abreu nos vocais.

“Seu jogo” fala do jogo sujo que algumas pessoas são capazes de fazer. “Brasília” encerra o disco falando sobre uma cidade que foi criada para ser a capital do Brasil e acabou virando símbolo da inoperância e corrupção: “Capital da esperança / asas e eixos do Brasil / Longe do mar, da poluição / Mas um fim que ninguém previu”.

Com certeza as melhores obras são aquelas que são feitas para durar para sempre. Acho que nem os integrantes esperavam que 29 anos depois do lançamento de seu primeiro disco, as letras seriam tão verídicas e atuais. É difícil constatar que em alguns aspectos, nada mudou no Brasil em 29 anos e que estamos estagnados há muito tempo. Ponto para a Plebe Rude que diferente do rock brasileiro alienado atual (poucas bandas novas tem opiniões políticas em suas letras) soube analisar como poucas a situação caótica de nosso país. Não é a toa que O Concreto Já Rachou é um dos melhores discos feitos no país.



Um comentário:

  1. Verdadeiro discão de uma banda afiada e politizada. Desde o hino Até Quando Esperar até Brasília, ouvimos grandes músicas. Com uma galera entrosada e vocais divididos. Uma obra-prima de um grupo que prometia seguir entre as melhores, mas que, infelizmente, acabou perdendo o fôlego.

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