Depois do sucesso de seu
primeiro disco, a Legião Urbana se preparava para lançar seu segundo trabalho.
A ideia inicial de Renato Russo era lançar um disco duplo que se chamaria
Mitologia e Intuição. O disco duplo teria também as canções que posteriormente
pertenceram ao disco Que País é Este? de 1987. A ideia foi logo descartada pela
gravadora, pois o disco iria custar o dobro do preço, dificultando as vendas.
O álbum Dois foi gravado
entre fevereiro e abril de 1986 e lançado em julho de 1986, com a produção de
Mayrton Bahia. Um pouco antes do lançamento do disco, todas as canções
“vazaram” e foram parar nas mãos da Rádio Transamérica, que fez um programa
especial com uma hora de duração, tocando todas as músicas do futuro trabalho
da Legião. O que poderia ter prejudicado a banda acabou sendo um golpe de
marketing acidental, depois deste programa praticamente todas as canções de
Dois começaram a tocar nas rádios, alavancando ainda mais as vendas do disco.
Abrindo com “Daniel na cova
dos leões” título que faz referência ao personagem bíblico, começa com uma
gravação de uma rádio tocando um trecho da canção “Será” do primeiro disco. No
início da letra um trecho que faz logo referência implícita ao sexo oral: “Aquele
gosto amargo do teu corpo / Ficou na minha boca por mais tempo”, em uma
interpretação forte e decidida de Renato Russo. Os arranjos são característicos
da banda, usando aqueles teclados com efeitos de cordas que Renato Russo sempre
gostava de utilizar nas canções da banda.
“Quase sem querer” é um
daquelas canções emocionais de Renato, nas quais as pessoas se identificam
muito com a letra. Com um arranjo sutil e acústico, é umas das músicas menos
impactantes do disco, mesmo feito muito sucesso nas rádios. A música seguinte
“Acrilic on Canvas” é muito superior a anterior e uma das melhores e mais bem
construídas canções da banda. O arranjo é conduzido pela linha de baixo
marcante de Renato Rocha, com guitarras “atmosféricas” meio The Cure de Dado
Villa Lobos, enquanto na letra Renato Russo faz uma analogia de uma pintura
feita em acrílico e uma desilusão amorosa. A interpretação de Renato junto com
o arranjo é de tirar o fôlego, transformando a canção em algo forte e
impactante.
“Eduardo e Mônica” é mais
uma canção de Renato Russo no estilo Trovador Solitário, voz, violão e uma bela
história sobre um casal com uma diferença de idade que se casa e tem filhos.
Boa canção que fez muito sucesso, mas também fica um pouco fora do contexto do
disco, se não pertencesse ao disco Dois, não faria tanta falta. “Central do
Brasil” é instrumental e precede um dos maiores clássicos da carreira da banda:
“Tempo perdido” com seu dedilhado inicial se transformou em um hino de uma
juventude que buscava uma direção e novas referências. Uma pérola, que muitos
falam que lembra coisas do The Smiths, principalmente pela guitarra, mas particularmente
não acho tão parecido, pois as maiores influências da Legião sempre foram Joy
Division, The Cure e Gang of Four.
“Metrópole” mostra o lado
mais punk do som da banda, com uma letra que é uma crônica sobre as grandes
cidades, a violência e as dificuldades enfrentadas pela população, com um texto
que ainda é atual, mesmo quase trinta anos depois. "Plantas embaixo do aquário"
tem um riff de guitarra simples, mas que fica na cabeça, outro grande momento
do disco, em uma letra que protesta contra a guerra, com várias vozes
intercaladas no meio da música, mostrando a criatividade da Legião Urbana, que
tinha um instrumental simples, mas muito inventivo.
"Música Urbana II"
é um folk/blues só voz e violão de Russo, com sua voz grave faz também
reflexões sobre a vida urbana e seus riscos. "Andrea Doria" é outra
pérola do disco Dois, com pequenos detalhes nos arranjos de guitarra de Dado
Villa Lobos, que enriquecem a canção. A voz contida e emocional de Renato
transforma “Andrea Doria” em um dos lados B favoritos dos fãs do grupo. Na
letra Russo desabafa: “Quero ter alguém com quem conversar / Alguém que depois
não use o que eu disse / Contra mim”
“Fábrica” é outro momento
mais pesado do disco, na letra Renato fala sobre o direito dos trabalhadores e
contra a exploração de mão de obra. O álbum termina com a clássica “Índios”,
uma das letras mais bem feitas de Renato Russo, que fala da exploração dos
índios no Brasil, desde a época de seu descobrimento. Marcelo Bonfá disse em
entrevista que sua esposa comenta sempre sobre o início da bateria da música e Bonfá
acha que não tem nada de mais, que é muito simples, porém a Legião tinha esta
característica de belos arranjos com simplicidade, pois não eram virtuoses em
seus instrumentos, mas quase sempre no rock, menos é mais. Dinho Ouro Preto do
Capital Inicial comentou também que a primeira vez que ouviu esta música ficou
impressionado com a letra e ficou escutando várias vezes a canção, que não saía
de sua cabeça.
Dois vendeu mais de Um milhão de cópias e catapultou os quatro rapazes de Brasília para o estrelato. A capa do disco também é simples, muito influenciada pela linguagem “clean” das capas do Joy Divison, aparecendo só o nome do disco e da banda em um fundo amarelo. Um dos álbuns mais influentes do rock brasileiro está na prateleira de milhares de jovens e adultos do Brasil, lembrando uma fase do rock que havia conteúdo e esperança de algo melhor para o país. Bons tempos!
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