21 de agosto de 2014

Dois - O disco definitivo da Legião Urbana

Depois do sucesso de seu primeiro disco, a Legião Urbana se preparava para lançar seu segundo trabalho. A ideia inicial de Renato Russo era lançar um disco duplo que se chamaria Mitologia e Intuição. O disco duplo teria também as canções que posteriormente pertenceram ao disco Que País é Este? de 1987. A ideia foi logo descartada pela gravadora, pois o disco iria custar o dobro do preço, dificultando as vendas.


O álbum Dois foi gravado entre fevereiro e abril de 1986 e lançado em julho de 1986, com a produção de Mayrton Bahia. Um pouco antes do lançamento do disco, todas as canções “vazaram” e foram parar nas mãos da Rádio Transamérica, que fez um programa especial com uma hora de duração, tocando todas as músicas do futuro trabalho da Legião. O que poderia ter prejudicado a banda acabou sendo um golpe de marketing acidental, depois deste programa praticamente todas as canções de Dois começaram a tocar nas rádios, alavancando ainda mais as vendas do disco.

Abrindo com “Daniel na cova dos leões” título que faz referência ao personagem bíblico, começa com uma gravação de uma rádio tocando um trecho da canção “Será” do primeiro disco. No início da letra um trecho que faz logo referência implícita ao sexo oral: “Aquele gosto amargo do teu corpo / Ficou na minha boca por mais tempo”, em uma interpretação forte e decidida de Renato Russo. Os arranjos são característicos da banda, usando aqueles teclados com efeitos de cordas que Renato Russo sempre gostava de utilizar nas canções da banda.



“Quase sem querer” é um daquelas canções emocionais de Renato, nas quais as pessoas se identificam muito com a letra. Com um arranjo sutil e acústico, é umas das músicas menos impactantes do disco, mesmo feito muito sucesso nas rádios. A música seguinte “Acrilic on Canvas” é muito superior a anterior e uma das melhores e mais bem construídas canções da banda. O arranjo é conduzido pela linha de baixo marcante de Renato Rocha, com guitarras “atmosféricas” meio The Cure de Dado Villa Lobos, enquanto na letra Renato Russo faz uma analogia de uma pintura feita em acrílico e uma desilusão amorosa. A interpretação de Renato junto com o arranjo é de tirar o fôlego, transformando a canção em algo forte e impactante.

“Eduardo e Mônica” é mais uma canção de Renato Russo no estilo Trovador Solitário, voz, violão e uma bela história sobre um casal com uma diferença de idade que se casa e tem filhos. Boa canção que fez muito sucesso, mas também fica um pouco fora do contexto do disco, se não pertencesse ao disco Dois, não faria tanta falta. “Central do Brasil” é instrumental e precede um dos maiores clássicos da carreira da banda: “Tempo perdido” com seu dedilhado inicial se transformou em um hino de uma juventude que buscava uma direção e novas referências. Uma pérola, que muitos falam que lembra coisas do The Smiths, principalmente pela guitarra, mas particularmente não acho tão parecido, pois as maiores influências da Legião sempre foram Joy Division, The Cure e Gang of Four. 



“Metrópole” mostra o lado mais punk do som da banda, com uma letra que é uma crônica sobre as grandes cidades, a violência e as dificuldades enfrentadas pela população, com um texto que ainda é atual, mesmo quase trinta anos depois. "Plantas embaixo do aquário" tem um riff de guitarra simples, mas que fica na cabeça, outro grande momento do disco, em uma letra que protesta contra a guerra, com várias vozes intercaladas no meio da música, mostrando a criatividade da Legião Urbana, que tinha um instrumental simples, mas muito inventivo.

"Música Urbana II" é um folk/blues só voz e violão de Russo, com sua voz grave faz também reflexões sobre a vida urbana e seus riscos. "Andrea Doria" é outra pérola do disco Dois, com pequenos detalhes nos arranjos de guitarra de Dado Villa Lobos, que enriquecem a canção. A voz contida e emocional de Renato transforma “Andrea Doria” em um dos lados B favoritos dos fãs do grupo. Na letra Russo desabafa: “Quero ter alguém com quem conversar / Alguém que depois não use o que eu disse / Contra mim”



“Fábrica” é outro momento mais pesado do disco, na letra Renato fala sobre o direito dos trabalhadores e contra a exploração de mão de obra. O álbum termina com a clássica “Índios”, uma das letras mais bem feitas de Renato Russo, que fala da exploração dos índios no Brasil, desde a época de seu descobrimento. Marcelo Bonfá disse em entrevista que sua esposa comenta sempre sobre o início da bateria da música e Bonfá acha que não tem nada de mais, que é muito simples, porém a Legião tinha esta característica de belos arranjos com simplicidade, pois não eram virtuoses em seus instrumentos, mas quase sempre no rock, menos é mais. Dinho Ouro Preto do Capital Inicial comentou também que a primeira vez que ouviu esta música ficou impressionado com a letra e ficou escutando várias vezes a canção, que não saía de sua cabeça.


Dois vendeu mais de Um milhão de cópias e catapultou os quatro rapazes de Brasília para o estrelato. A capa do disco também é simples, muito influenciada pela linguagem “clean” das capas do Joy Divison, aparecendo só o nome do disco e da banda em um fundo amarelo. Um dos álbuns mais influentes do rock brasileiro está na prateleira de milhares de jovens e adultos do Brasil, lembrando uma fase do rock que havia conteúdo e esperança de algo melhor para o país. Bons tempos!





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