3 de agosto de 2014

Burguesia - A despedida de Cazuza

Em 1989 a saúde do cantor Cazuza já estava bem debilitada, devido aos efeitos decorrentes do vírus da AIDS e devastadores efeitos colaterais dos remédios que usava. Percebendo que talvez tivesse pouco tempo de vida, Cazuza decidiu gravar um novo trabalho e chamar o maior número possível de amigos para colaborar neste disco.


Burguesia, último trabalho de Cazuza, foi gravado entre março e maio de 1989 e lançado em agosto do mesmo ano. Cazuza assumiu a produção do disco junto com João Rebouças. Sua banda de apoio foi apelidada de “As feras de Caju” e contava com Paulinho Guitarra na guitarra, Renato Rocketh no baixo, Sérgio Della Monica na bateria e João Rebouças nos teclados. Muito doente, Cazuza cantou as músicas na cadeira de rodas e algumas até mesmo deitado, devido a sua fragilidade física.

O disco é duplo e conceitual, o lado A é mais roqueiro e o Lado B é puxado mais para a MPB. Vários amigos colaboraram com o cantor no disco, entre eles o eterno companheiro de Barão, Frejat, George Israel do Kid Abelha, Lobão, Bebel Gilberto e Ângela Rô Rô. Com 20 músicas no total, Burguesia mostra a pressa de Cazuza em lançar o maior número de músicas possíveis, prevendo que não havia muito tempo a perder.

A primeira canção e que dá título ao álbum, “Burguesia”, parceria de Cazuza com Ezequiel Neves e George Israel, é uma crítica afiada à elite burguesa em geral, suas futilidades e falta de preocupação com o social. Irônico, Cazuza também se inclui na burguesia, porém justifica que está do lado do povo e que não é como a elite. Em “Nabucodonosor”, o cantor cita o personagem bíblico e fala sobre seu avô que assim como Cazuza se chamava Agenor e fala sobre a morte na letra. 




A divertida “Garota de Bauru”, conta a história de uma garota que gosta Paralamas e Lulu Santos e que é metida a Janis Joplin. “Eu agradeço”, parceria de George Israel, tem um Sax que dá um ritmo mais elegante à música e na letra Cazuza agradece a Deus de uma forma ácida e sarcástica. Em “Eu quero alguém” o cantor fala que precisa encontrar uma pessoa, seja homem ou mulher.

“Como já dizia Djavan” é uma parceria com Frejat, que fala sobre o amor de dois homens. “Cobaias de Deus”, parceria com Ângela Rô Rô, tem uma letra forte e um belo dedilhado de violão, uma das melhores músicas do disco: “Vá ver as cobaias de Deus / Andando na rua, pedindo perdão / Vá a alguma igreja qualquer / Pois lá se desfazem em sermão”. 

A versão equivocada de “Quase um segundo”, uma das melhores músicas de Herbert Vianna é um dos poucos pontos fracos do disco, ficando bem inferior a versão original. “Filho único” também tem uma letra muito forte, nela Cazuza fala sobre seu egoísmo de filho único: “Os filhos únicos são seres infelizes / Eu tento mudar / Eu tento provar que me importo / com os outros / mas é tudo mentira”.

“Preconceito” é uma linda versão para a composição de Fernando Lobo e Antônio Maria, com um arranjo meio tango, meio rock. “Esse cara” é uma versão de Caetano Veloso em uma letra com eu lírico feminino. “Cartão postal” é uma versão de Rita Lee, desta canção que faz parte do clássico disco dela, Fruto Proibido. “Quando eu estiver cantando” é a despedida de Cazuza: “Fique em silêncio / Porque o meu canto é a minha solidão / É a minha salvação / Porque o meu canto é o que mantém vivo / É o que me mantém vivo”.

O disco Burguesia mostra a urgência de um artista que estava à beira da morte. Todo o talento como letrista e cantor estava contido neste trabalho que em minha opinião, só perde em qualidade na discografia solo de Cazuza para o clássico Ideologia de 1988. Uma bela despedida de um dos artistas mais significativos da música brasileira. 


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