Em 18 de junho de 1988 a
Legião Urbana faria um show em Brasília que seria uma celebração à cidade, que
Renato Russo gostava muito e também para divulgar o disco Que País é Este. O
local escolhido foi o estádio Mané Garrincha e cerca de 50 mil pessoas foram ao
local. O clima já era tenso logo na entrada e percebia-se que a estrutura do
evento não comportaria tanta gente. As cenas de destruição e vandalismo já
tinham começado antes mesmo do show ser iniciado.
A banda entrou no palco com
uma hora de atraso, o que inflamou ainda mais a plateia. O show começou quente
com “Que País é Este”, canção que virou uma espécie de hino, sendo atual até
hoje. Tudo corria relativamente bem até que um maluco subiu no palco e deu uma
gravata em Renato, sendo imediatamente contido pelos seguranças. O vocalista se
irritou com a truculência da polícia que começou a agredir o rapaz, que tinha
problemas mentais. Este foi o estopim para que o público se inflamasse ainda
mais e começasse a jogar bombas caseiras e outros objetos no palco.
Não demorou muito para
Renato e os outros integrantes da Legião decidirem sair do palco e terminar o
show. A confusão ficou ainda maior depois da saída da banda, houve
quebra-quebra, tumulto generalizado, com diversas pessoas feridas. Renato Russo
disse que nunca mais iria tocar naquela cidade maldita e cumpriu sua promessa,
pois este foi o último show da banda em Brasília.
Os integrantes da Legião
depois daquele incidente perceberam que era o momento da baixar a bola, partir
para uma sonoridade mais acústica em seu novo trabalho, se distanciando das
músicas mais punks e politizadas do disco Que País é Este, que tinha em sua
maioria, canções da antiga banda de Renato, o Aborto Elétrico. Em julho de 1989
a Legião Urbana entrava em estúdio para gravar seu novo disco de inéditas.
Logo de cara a banda
enfrentava um problema: cansados da falta de comprometimento do baixista Renato
Rocha, os outros integrantes decidiram mandá-lo embora e tudo que ele tinha gravado
até então para este disco teve que ser refeito. Renato Russo e Dado Villa-Lobos
se revezavam então na gravação do baixo nas músicas.
As Quatro Estações foi
lançado em 26 de Outubro de 1989 e foi um dos discos de maior sucesso da
Legião. A banda apostava em uma sonoridade mais trabalhada, com bandolim,
violões e bastante teclado, ao contrário das guitarras secas e da pobre
produção do disco anterior. O grupo agora era um trio, formação que foi até o
final, somente com alguns músicos de apoio nas apresentações ao vivo.
O disco começa com “Há
Tempos”, uma das músicas mais bonitas da banda, com belos dedilhados de
guitarra, violões e o tradicional som de cordas de teclado. Na letra, alguns
trechos de um livro budista que Renato encontrou em um hotel que ele se
hospedou certa vez. Uma letra que começa falando de falta de esperança e tristeza,
mas no final dá sinais de otimismo.
“Pais e filhos” tocou tanto
que infelizmente até se tornou uma daquelas “músicas clichê” em que todo mundo
toca nas rodinhas de violão e canta a plenos pulmões. Isto não diminui a
importância da canção que fala sobre a relação conturbada entre pais e filhos,
sem defender qualquer um dos lados, afinal cada um deles tem suas dificuldades
e desilusões. A banda arrisca um “quase blues” em sua parte instrumental, o que
diferencia ela das tradicionais canções da Legião Urbana, ritmicamente falando.
“Feedback song for a dying
friend” originalmente se chamava “Rapazes católicos”, mas algumas pessoas
próximas a banda, inclusive a irmã de Renato, não gostaram da letra. Renato
então fez uma letra em inglês que foi traduzida no encarte por Millôr Fernandes.
A canção era uma homenagem ao fotógrafo Robert Mapplethorpe que morreu de AIDS
em 1989 e para Cazuza, que acabou falecendo em decorrência da mesma doença em
1990.
“Quando o sol bater na
janela do teu quarto” é uma daquelas tradicionais canções de violão da banda,
bem simples e direta. "Eu era um lobisomem juvenil" é grandiosa, tem
sons de sinos, cordas e quase sete minutos de duração e nela Renato declara sem
rodeios: “Se você quiser alguém pra ser só seu
/ É só não se esquecer / Estarei aqui”. “1965 (Duas tribos)” fala sobre
infância e como o Brasil é sempre considerado o país do futuro, sem nunca sair
deste status.
“Monte Castelo” mescla em
sua letra trechos da Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, da Bíblia
cristã, com trechos de um soneto de Luís Vaz de Camões. “Maurício” tem um clima
bem The Cure e é uma das mais tristes do disco, provavelmente inspirada em
algum ex-namorado de Renato Russo. Em “Meninos e meninas”, Russo declara implicitamente
na letra sua bissexualidade em outra canção acústica. “Sete cidades” é uma das
mais encantadoras do álbum, com uma gaita simples e no final da música um dos
trechos mais bonitos do disco: “E já me acostumei com a tua voz / Quando estou
contigo estou em paz / Quando não estás aqui / Meu espírito se perde, voa longe”.
O
disco termina com “Se fiquei esperando meu amor passar”, talvez a música menos
inspirada do álbum.
As Quatro Estações vendeu
mais de um milhão de cópias e gerou a turnê de maior sucesso da carreira da
Legião Urbana, que fez pelo menos dois shows históricos: No Jockey Clube do Rio
de Janeiro no mesmo dia da morte de Cazuza (a banda, claro, fez homenagem ao
artista) com cerca e 60 mil pessoas e no eterno estádio do maior campeão do
Brasil, o Palestra Itália, com cerca de 100 mil pessoas, um mês depois. Com
este disco a Legião Urbana conseguiu superar o trauma do show de Brasília e dar
uma nova guinada em sua vitoriosa carreira, lançando um de seus maiores sucessos
comerciais.
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